A Lei nº 14.133/2021 e expectativas em torno do novo regime de licitações e contratos administrativos

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Após um hiato entre a aprovação legislativa e a respectiva sanção presidencial, a Lei n° 14.133/2021, definidora do novo marco legal para a realização de licitações e contratações de particulares pelas Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, foi finalmente publicada.

Contudo, cabe pontuar que a referida Lei reúne 26 vetos que ainda serão analisados pelo Congresso Nacional. Dentre as normas vetadas, vale destacar o artigo que autorizaria os entes federativos distrital, municipal e estadual a estabelecerem exclusividade para produtos fabricados em seus territórios, a denominada “margem de preferência”, vetado sob o argumento de que tal disciplinamento limitaria a concorrência dos certames. Um segundo veto presidencial significativo refere-se ao afastamento da obrigatoriedade de a entidade ou órgão público, tomador do serviço contratado, depositar previamente, em conta bancária vinculada e especifica, os recursos públicos necessários ao pagamento do particular contratado em decorrência do avanço físico de cada etapa de obra pública contratada, sob o argumento, suscetível a críticas contundentes, de  que a previsão orçamentária, caracterizada pela nota de empenho, seria suficiente a garantir a estabilidade contratual almejada.

Ressalte-se que, além de revogar totalmente a Lei das Licitações (Lei 8.666 de 1993), após ultrapassados dois anos de convivência facultativa entre a norma antiga e a nova norma, a Lei nº 14.133/2021 busca, mais do que trazer inovações normativas, sistematizar o microssistema de licitação e contratação pública, fragmentado pelas normas oriundas da Lei do Pregão (Lei 10.520, de 2002), do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei nº 12.846/2011 – RDC), da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), da Lei nº 9.307/96 (alterada pela Lei 13.129/2015), entre outros normativos, conferindo maior segurança jurídica, eficiência e agilidade às contratações pactuadas entre o Poder Público e particulares.

Fase licitatória

Não obstante, a Lei nº 14.133/2021 excluiu, no âmbito da fase licitatória,  a utilização da modalidade convite e incluiu, ao lado da concorrência, concurso, leilão e pregão, a modalidade denominada diálogo competitivo, inspirada na Diretiva da União Europeia nº 2014/24. Trata-se da possibilidade de a Administração Pública dialogar com o mercado em busca de soluções inovadoras, criativas e arrojadas, diante da  impossibilidade de o setor público definir, com clareza e precisão, o objeto a ser contratado ou pelo desconhecimento da forma adequada para a execução de determinado objeto, favorecendo a adoção de decisões e estratégias concertadas e consensuais no ambiente público-privado.  

Disciplinamento dos contratos administrativos

Na parte referente ao disciplinamento dos contratos administrativos, é evidente a preocupação do legislador com a alocação dos riscos contratuais, previstos e presumíveis, entre as partes contratantes, fazendo constar que os contratos com a Administração Pública deverão contemplar uma matriz de riscos adequada, de modo a prever e alocar eventos supervenientes capazes de comprometer a continuidade e a execução contratuais.

Tal compartilhamento de riscos passa a ser elemento que definirá, com maior transparência e clareza, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Isso permite que riscos sejam controlados e mitigados durante a gestão do contrato público. Com propósito semelhante, a obrigatoriedade de seguro-garantia de até 30% do valor licitado, em serviços e obras de grande vulto, permite que as seguradoras confiram continuidade a determinados contratos e assume importância para a estabilidade e atratividade em torno das relações público-privadas.

Nova Lei de Licitações. Fonte: banco de imagens


Irregularidades (infrações e sanções administrativas)

No que toca ao título das irregularidades (infrações e sanções administrativas) e os mecanismos de controle interno e externo, a Lei 14.133/2021 pretende reduzir a discricionariedade sancionatória do gestor público, impondo maior rigor na aplicação de sanções administrativas. Por outro lado, o estímulo à adoção de mecanismos de integridade/compliance pelos contratados, bem como ao procedimento de reabilitação do agente econômico infrator, atendidas as condições necessárias para realização do interesse público e de recomposição de eventual prejuízo suportado pelo erário, tende a atenuar o rigor sancionatório em prol da busca de contratos eficientes e da satisfação do interesse da coletividade.

Meios alternativos de solução de conflitos

Por fim, mas não menos importante, o novo marco legal para o regime de licitação e contratação pública passou a prever expressamente a possibilidade de utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias. Destaque para a possibilidade de aditamento dos ajustes vigentes e de adoção do dispute board (comitê de resolução de disputas). Aliás, tal mecanismo constituído no início da relação contratual é composto de experts escolhidos pelos contratantes que acompanham, preventiva e periodicamente, a execução contratual, numa espécie de gerenciamento de riscos, visando mitigar os riscos inerentes aos contratos de execução continuada, comuns na construção civil ou em obras de infraestrutura.

O objetivo do comitê é realizar recomendações e decisões preventivas, ainda que diante da ausência de previsão contratual referente ao evento suscitado, a fim de assegurar as medidas adequadas à distribuição de responsabilidades e custos, entre o Poder Púbico e o particular contratado, diante de novas contingências.

É imprescindível o acompanhamento contínuo dos desdobramentos da Lei nº 14.133/2021 e a expectativa é de que as críticas recorrentes à Lei nº 8.666/1993 relacionadas à excessiva burocratização, insatisfatória agilidade à dinâmica contratual na área de infraestrutura e de insuficiência dos mecanismos de combate à corrupção pública sejam atenuadas ou efetivamente superadas.

Análise dos sócios

Carlos Roberto Siqueira Castro
crsc@siqueiracastro.com.br

Renata Abreu Martins
rmartins@siqueiracastro.com.br

Thiago de Oliveira
thiago@siqueiracastro.com.br