No último dia 21 de maio, foi publicada a Medida Provisória nº 1.300/2025, que trata da tão discutida e aguardada Reforma do Setor Elétrico Brasileiro, um pouco antes do que todo o mercado esperava. O texto tem força de lei, e produz efeitos jurídicos imediatos, enquanto aguarda sua apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional para que seja convertida em lei (prazo de 60 dias prorrogável por igual período).
Abaixo, os três principais eixos de alterações da MP, conforme anunciadas pelo Governo, e em seguida uma visão mais completa com as demais alterações trazidas pela MP.
Abertura do Mercado Livre
Cronograma de liberalização para consumidores: (i) industriais e comerciais a partir de agosto de 2026; e (ii) residenciais a partir de dezembro de 2027.
Criação do Supridor de Última Instância (SUI), com o papel de atender emergencialmente consumidores que fiquem sem contrato no ACL.
Separação tarifária, contábil e contratual, das atividades de venda de energia no ambiente regulado e de serviço público de distribuição e energia elétrica, a ocorrer até 1º de julho de 2026.
Revisão de Subsídios e Encargos
Fim de descontos na TUSD/TUST aplicáveis ao consumidor de fontes incentivadas, a partir de janeiro de 2026. Os descontos serão aplicados até o fim dos contratos vigentes, limitados aos montantes registrados e validados até 31 de dezembro de 2025. Formalização apenas de contratos com montantes definidos, impossibilidade de registro zerado, alteração posterior e prorrogação contratual.
Novos critérios para autoprodução por equiparação, demanda agregada mínima de 30 MW, sendo uma demanda mínima de 3 MW para cada UC. Exigência de uma participação societária mínima de 30%, de forma direta ou indireta, no capital social da sociedade.
Os novos critérios não se aplicam a projetos de autoprodução com contratos registrados na CCEE antes da publicação MP, ou àqueles em que o autoprodutor integre grupo econômico que detenha 100% das ações do capital da sociedade titular da outorga.
Projetos de autoprodução ainda sem contrato registrado na CCEE terão 60 dias da publicação da MP para comprovar seu enquadramento nos novos requisitos.
Para projetos que não atendam aos novos critérios, o benefício será mantido apenas até o término da outorga.
Ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica
Isenção total da fatura de energia elétrica para famílias com renda de até meio salário-mínimo por pessoa, no consumo mensal de até 80 kWh.
Isenção da CDE para famílias com renda entre meio e um salário-mínimo por pessoa, com consumo mensal de até 120 kWh.
MP 1.300/2025
Mercado Livre
Liberação do mercado para baixa tensão.
Antecipado o cronograma de liberação do mercado para consumidores da baixa tensão (<2,3 kV), que poderão passar a escolher seu fornecedor de energia. A liberação ocorrerá para:
(i) comerciais/industriais a partir de agosto de 2026; e
(ii) consumidores residenciais, a partir de dezembro de 2027.
Os efeitos financeiros da sobrecontratação ou exposição involuntária das distribuidoras decorrentes da abertura do mercado, e consequente perda de consumidores que migrem para o mercado livre, passa a ser suportado por todos os consumidores, do mercado livre e regulado, por meio de encargo tarifário na proporção do consumo.
Distribuição de Energia
Em razão da abertura de mercado, várias alterações foram introduzidas na atividade de distribuição.
Foi criado o Supridor de Última Instância (SUI), que será responsável por atender consumidores que deixarem de ser atendidos por agente varejista no mercado livre. Sua atividade deve ser autorizada e fiscalizada pela ANEEL, que deve editar regulamento sobre essa atividade até 1º de fevereiro de 2026.
A critério do poder concedente, a atividade do SUI poderá ou não ser exclusividade das distribuidoras.
As distribuidoras deverão realizar, até 1º de julho de 2026, a separação tarifária, contábil e contratual, das atividades de venda de energia no ambiente regulado e do serviço público de distribuição e energia elétrica.
O custo do SUI e efeitos financeiros do déficit involuntário das distribuidoras em razão do atendimento aos consumidores do SUI, serão alocados a todos os consumidores do mercado livre, por meio de encargo tarifário.
Além disso, visando evitar a sobrecontratação das distribuidoras decorrente da migração de consumidores para o mercado livre, foram introduzidos mecanismos para flexibilizar contratação das distribuidoras.
ANEEL poderá em regulamento flexibilizar a obrigatoriedade de contratação regulada para atendimento à totalidade do mercado da distribuidora.
Os CCEAR referentes a leilões de energia não terão mais prazo mínimo de 15 anos, mantido o máximo de 35 anos.
Os efeitos financeiros da sobrecontratação ou exposição involuntária das distribuidoras, decorrentes de migração de consumidores para o mercado livre de energia serão rateados entre todos os consumidores do mercado livre e regulado, por meio de encargo tarifário proporcional ao consumo de energia.
Novas modalidades tarifárias para as distribuidoras
Foram previstas novas modalidades tarifárias para o fornecimento de energia elétrica aplicáveis às unidades consumidoras, independentemente da tensão de fornecimento em que são atendidas. Essas modalidades poderão ser de aplicação compulsória, conforme regulamento da ANEEL, e poderão considerar os seguintes aspectos:
(i) tarifas diferenciadas por horário;
(ii) disponibilização do serviço de fornecimento de energia elétrica mediante pré-pagamento;
(iii) tarifas multipartes que considerem a cobrança de parte dos custos associados à disponibilização de capacidade para uso do sistema de distribuição desvinculada do consumo de energia;
(iv) tarifas diferenciadas para áreas de elevada complexidade em relação ao combate às perdas não técnicas e de elevada inadimplência; e
(v) diferentes tipos de tarifas em função de critérios técnicos, locacionais e de qualidade, a serem aplicados de forma não discriminatória.
Contratação de reserva de capacidade forma de flexibilidade
Foi prevista a possibilidade de contratação de reserva de capacidade, não apenas na forma de potência, mas também na forma de flexibilidade, para atender todas as necessidades do mercado. Com isso, cria-se a possibilidade de leilões de reserva de capacidade com diferentes produtos, que poderão ser ofertados por diferentes fontes, de acordo com o atributo que possam aportar ao sistema.
Fim do Desconto na TUSD/TUST para consumidores
O desconto na TUST/TUSD paga pelo consumidor ficam extintos para contratos novos, registrados a partir de 1º de janeiro de 2026.
Apenas poderão manter os descontos existentes, até o final dos seus contratos, os consumidores com contratos registrados e com montantes validados na CCEE até 31 de dezembro de 2025. Fica vedado o desconto aos casos de a transferência de titularidade do contrato, a prorrogação de contrato, contrato com prazo indeterminado, contratos não registrados ou validados na CCEE, ou validados sem montante.
A CCEE deverá apurar anualmente os desvios positivos ou negativos entre os montantes registrados e os valores efetivamente realizados, estando as partes sujeitas ao pagamento de um encargo extraordinário, a ser revertido à CDE. Caso a CCEE constate indícios de fraude ou de simulação na tentativa de algum agente obter os referidos descontos, será dada ciência à ANEEL para fins de apuração de responsabilidade e aplicação das sanções cabíveis, sem prejuízo das responsabilidades civil e penal previstas em lei.
Autoprodução por equiparação
O acesso à autoprodução fica agora limitado aos grandes consumidores, já que passa a ser exigida uma demanda agregada mínima de 30 MW, com mínimo de 3 MW por Unidade Consumidora, e participação societária mínima de 30%, de forma direta ou indireta, no capital votante social da sociedade titular da outorga. A equiparação fica restrita à parcela da energia destinada ao consumo próprio, ou à participação do consumidor no empreendimento, o que for menor.
Ficam fora da nova regra, até o término da outorga, os consumidores equiparados que:
(i) tenham seus contratos registrados na CCEE antes da publicação da MP;
(ii) integrem grupo econômico com 100% do capital da titular da empresa outorga; e
(iii) em 60 dias da publicação da MP submetam à CCEE os contratos de compra e venda, ou de opção de compra de ações ou quotas, desde que tenham entrado em operação comercial após a data de publicação da MP, e concluam a transferência das ações em até 24 meses da celebração dos contratos.
Ampliação da Tarifa Social
Isenção total da conta para consumo de até 80 kWh/mês, para famílias com renda de até 1/2 salário, inscritas no Cadastro Único.
Isenção da CDE para consumo de até 120 kWh/mês, para famílias com renda entre 1/2 e 1 salário, inscritas no Cadastro Único.
Houve também flexibilização nas regras aplicáveis aos descontos de irrigação e aquicultura que pretendem incentivar o consumo em horários mais adequados ao sistema.
Mecanismo competitivo para negociação dos débitos de GSF no MRE
A MP veda a repactuação do risco hidrológico após 12 meses da data de publicação da MP, e cria um mecanismo concorrencial para negociação de montantes financeiros não pagos na liquidação financeira do MCP, em razão de ações judiciais em curso que requeiram isenção ou mitigação dos efeitos de riscos hidrológicos relacionados ao MRE.
Por meio desse mecanismo, centralizado e operacionalizado pela CCEE, serão negociados títulos, cuja soma dos valores de face individuais represente o total de valores não pagos na liquidação do MCP. O valor de face dos títulos adquiridos permitirá aos compradores, a compensação mediante a extensão do prazo de outorga do empreendimento participante do MRE, limitada a sete anos.
Os valores dos pagamentos pelos vencedores serão destinados a liquidar proporcionalmente os valores do MCP não pagos e, caso a soma dos pagamentos superar o total de valores devidos na liquidação do MCP, o valor excedente será destinado à CDE. Esse mecanismo poderá ser realizado mais de uma vez, se necessário.
Como condição anterior à participação nesse mecanismo, os agentes de geração hidrelétrica titulares dos débitos referentes aos montantes financeiros acima citados, deverão apresentar pedido à CCEE, com a comprovação da desistência da ação judicial e a renúncia a qualquer alegação de direito ou pretensão judicial de isenção ou de limitação percentual de riscos hidrológicos relacionados ao MRE.
Câmara de Comercialização de Energia – CCEE
A CCEE, teve sua denominação alterada para Câmara de Comercialização de Energia – CCEE (e não mais Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE), e poderá participar em outros mercados de energia ou prestar outros serviços, incluídas a gestão de garantias de contratos de compra e venda no ambiente de contratação livre, a gestão de registros e a certificação de energia.
Em razão dessas novas atividades, deve ser garantida a separação administrativa, financeira e contábil entre as atividades relativas à comercialização de energia elétrica e aquelas decorrentes da participação em outros mercados de energia.
Foi incluída competência à CCEE para monitorar os associados e as operações do mercado, e para tomar as providências decorrentes, de acordo com os procedimentos aprovados pela ANEEL.
A CCEE poderá contratar pessoas para o exercício da gestão ou da supervisão da atividade de monitoramento, e estas serão responsáveis diretas pelos prejuízos resultantes de atos com dolo ou culpa grave que infrinjam normas legais, regulamentares ou estatutárias, sendo a CCEE responsável subsidiária.
Também foi instituída a responsabilidade direta dos administradores dos agentes, pelos prejuízos resultantes de atos com dolo ou culpa grave que infringirem normas legais, regulamentares ou estatutárias, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal e de eventual responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica por eles representada.
Realocação do custo dos subsídios concedidos à GD
As componentes tarifárias não associadas ao custo da energia, que não são remuneradas pelos consumidores-geradores participantes do SCEE (GD), que são custeados pela CDE, serão rateadas entre todos os consumidores, inclusive do mercado livre, proporcionalmente ao consumo de energia.
Realocação dos efeitos das cotas de Angra 1 e Angra 2
A receita paga à Eletronuclear S.A. pela geração das usinas de Angra 1 e 2 passa a ser, a partir de 1 de janeiro de 2026, rateada proporcionalmente ao consumo de energia, entre todos os usuários finais de energia elétrica do SIN, exceto entre os consumidores integrantes da Subclasse Residencial Baixa Renda.