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Artigo | Consumidor x Fornecedor: Por que a conciliação é o caminho para reduzir ações repetitivas

Escrito por Letícia Andréia Azevedo Bueno.

A judicialização em massa e seus efeitos

O Judiciário brasileiro convive com um fenômeno que se repete há anos: milhares de ações judiciais praticamente idênticas, quase sempre relacionadas a falhas de consumo que afetam grande número de pessoas. Problemas como cobranças indevidas, negativações indevidas, cláusulas contratuais abusivas, planos de saúde e serviços de telefonia respondem por boa parte desse volume processual.

Aperto de mãos entre homem e mulher durante uma assinatura de contrato ou acordo de negócios, simbolizando parceria e confiança.

Esse padrão, conhecido como ações repetitivas, figura entre os maiores desafios da Justiça contemporânea. O próprio Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que as demandas consumeristas estão entre as mais ajuizadas no país, demonstrando que o sistema atual produz sobrecarga ao Judiciário, demora na prestação jurisdicional e custos elevados para consumidores e fornecedores.

Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é inevitável: é possível mudar essa realidade sem abrir mão da proteção ao consumidor?

A conciliação como diretriz legal

O ordenamento jurídico brasileiro já oferece respostas claras. O Código de Processo Civil, em seu art. 3º, §2º, estabelece que:

“O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.”

Além disso, o art. 334 do mesmo diploma determina a designação de audiência de conciliação logo no início do processo, salvo se as partes manifestarem desinteresse.

No campo do consumo, a orientação é igualmente expressa. O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), em seu art. 4º, inciso V, define como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo:

“(…) o incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, bem como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.”

Esses dispositivos demonstram que a conciliação não é apenas um recurso acessório, mas sim uma política pública incentivada pela lei.

Por que insistir no litígio?

Apesar das previsões normativas, a prática mostra um quadro diferente. Consumidores ainda precisam ajuizar ações para resolver questões simples — como o estorno de uma cobrança —, e fornecedores seguem acumulando milhares de processos mesmo quando a jurisprudência já lhes é desfavorável.

Esse modelo revela-se oneroso para todos os envolvidos:

· Para o consumidor, significa aguardar anos por uma decisão que poderia ser obtida em semanas.

· Para o fornecedor, representa custos processuais elevados e desgaste de imagem institucional.

· Para o Judiciário, resulta em congestionamento e perda de eficiência.

Trata-se de um ciclo vicioso que contraria a lógica do Código de Processo Civil e do Código de Defesa do Consumidor, ambos orientados à busca de soluções consensuais e mais rápidas.

Vantagens práticas da conciliação

A adoção da conciliação rompe esse ciclo e inaugura um caminho virtuoso:

· Para o consumidor, oferece acesso ágil e efetivo à reparação de direitos.

· Para o fornecedor, reduz passivos, evita condenações em série e reforça a confiança do mercado.

· Para o Judiciário, desafoga pautas sobrecarregadas e permite atenção a casos mais complexos.

A Resolução nº 125/2010 do CNJ, ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos, reforça essa visão. Em seu art. 1º, §1º, está expresso:

“Todos têm direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.”

Isso inclui, portanto, a conciliação como caminho prioritário para lidar com demandas consumeristas repetitivas.

Um caminho já em curso

É possível perceber que, aos poucos, a cultura da conciliação vem ganhando espaço. Plataformas como o ‘consumidor.gov.br’ e a atuação dos Procons são exemplos de instrumentos extrajudiciais que permitem soluções céleres e diretas. Muitos fornecedores, atentos a esse movimento, vêm criando canais internos de conciliação e estruturando políticas de prevenção de litígios, com resultados positivos tanto na redução de ações judiciais quanto na fidelização de clientes.

Os tribunais também têm incentivado audiências conciliatórias e programas de mediação, em consonância com o que determina o Código de Processo Civil e a Resolução 125 do CNJ. Trata-se de um processo de mudança cultural que precisa ser fortalecido e ampliado.

A experiência do TJSP

O Tribunal de Justiça de São Paulo mostra, na prática, como a conciliação e a mediação transformam a resolução de conflitos. Há mais de uma década, essas práticas vêm sendo consolidadas não apenas para reduzir a sobrecarga de processos, mas também para garantir às partes maior protagonismo e agilidade.

Desde 2014, mais de 1,4 milhão de acordos foram celebrados nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), que hoje somam mais de 300 unidades pelo estado. O êxito desse modelo deve-se, em grande parte, ao Nupemec, que implanta e monitora os Cejuscs e credencia conciliadores e mediadores capacitados.

Mais recentemente, o TJSP avançou no combate ao superendividamento. Em parceria com o Procon-SP, criou o Cejuscom, voltado à mediação de dívidas que comprometem a subsistência mínima do consumidor. Essa iniciativa reforça a conciliação como instrumento de inclusão e proteção social, dando efetividade à Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento).

Conclusão

O acúmulo de ações repetitivas no âmbito do consumo não é apenas um problema estatístico: é um entrave à efetividade da Justiça e um obstáculo à construção de relações de consumo equilibradas. A conciliação, já reconhecida pelo nosso ordenamento como instrumento prioritário, apresenta-se como a solução capaz de reduzir esse volume de litígios e de promover ganhos reais para consumidores, fornecedores e para o próprio Estado.

Mais do que uma etapa processual, a conciliação é uma estratégia de pacificação social. Adotá-la não significa fragilizar direitos, mas sim fortalecê-los, por meio de soluções rápidas, transparentes e adequadas.

O Siqueira Castro Advogados acompanha de perto esses movimentos e reafirma seu compromisso em auxiliar clientes na implementação de práticas modernas de prevenção e resolução de conflitos, contribuindo para um mercado mais justo, eficiente e sustentável.

Tribunais reforçam negativas de planos de saúde a canabidiol para autistas

Quatro recentes decisões — duas do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e duas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) — reforçaram o entendimento de que planos de saúde não são obrigados a custear medicamentos à base de canabidiol quando destinados ao uso domiciliar.

Óleo de CBD em frasco com conta gotas ao lado de uma xícara de chá sobre uma toalha de fibra natural.

Os casos envolviam pedidos de familiares de menores diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que buscavam a cobertura do tratamento pelos convênios médicos. Em todas as situações, os tribunais negaram o fornecimento, seja mantendo decisões de primeira instância já desfavoráveis, seja reformando sentenças que haviam sido favoráveis aos pacientes.

O fundamento comum foi o mesmo: o artigo 10, VI, da Lei nº 9.656/1998, que exclui da cobertura obrigatória dos planos de saúde os medicamentos de uso domiciliar, salvo exceções específicas (como fármacos antineoplásicos orais). Os julgados também citaram precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidou essa interpretação, além de resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Assim, mesmo diante de prescrições médicas detalhadas e relatos de melhora clínica, os tribunais entenderam que a negativa dos planos é amparada pela legislação e não configura abusividade, tampouco gera indenização por danos morais.

Leia as decisões na íntegra:
Negativa TJSP Registro 2025.0000938635
Negativa TJSP Registro 2025.0000933135
Negativa TJSC Processo 5103527-96.2022.8.24.0023
Negativa TJSC Processo 5071794-16.2024.8.24.0000