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Litigância predatória no direito do consumidor

Artigo elaborado por Izabella Yeda Cristina Mendonça e Lilian Nardelli Greco.

A litigância predatória é um termo utilizado juridicamente para se referir a prática abusiva de alguém ingressar em juízo com ações judiciais em massa, muitas vezes são ações padronizadas, genéricas, sem real interesse jurídico, ou até mesmo sem autorização da parte, e com o propósito de enriquecimento ilícito.


Esse tipo de postura, se caracteriza pelos seguintes pontos em comum:

  • Ajuizamento de ações massificadas (elevado número de demandas similares), geralmente, padronizadas e com pedidos genéricos;
  • Desconhecimento da demanda ou desinteresse da parte em litigar;

Essa prática abusiva desvirtua a finalidade do alcance jurisdicional. Um exemplo comum na esfera consumerista são ações envolvendo o direito de arrependimento, garantido pelo Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

Na prática tem se notado a tentativa de desvio de finalidade deste artigo com a atuação de patronos utilizando a fundamentação para arguir que seus clientes adquirem produtos e pedem a devolução do produto, contudo, com evidentes marcas de uso, violados, até mesmo danificados, ou então que não se enquadram na política de devolução das empresas. Tais condutas ocasionam a inviabilidade do recebimento da devolução que acaba sendo processada pelo consumidor.

É fundamental esclarecer que a prática da litigância predatória atinge negativamente o Judiciário pela sobrecarga dos operadores do direito com a tramitação de ações infundadas e artificiais, além dos prejuízos financeiros.

A título exemplificativo, o TJMG em nota técnica CIJMG Nº 01/2022, estima prejuízos de mais de R$10 bilhões ao sistema Judiciário.1

Atentos ao tema, órgãos como o NUMOPEDE – Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas e NUCOF – Núcleo de Combate às Fraudes do Sistema dos Juizados Especiais² vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, tem adotado práticas para identificar e tentar coibir essa prática abusiva, com soma de esforços de todos os Tribunais.

Neste tocante, o STJ no julgamento do Recurso Especial nº 2.021.665-MS (Tema 1198), fixou a tese segundo a qual, “constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova“.

Além disso, a prática abusiva é considerada como violação de ética disciplinar, e pode resultar em uma penalidade imposta pela própria Ordem dos Advogados do Brasil ao profissional.

Incumbe, portanto, o combate a esse tipo de conduta, que exige estratégias combinadas, tanto processuais quanto institucionais, dentre as quais podemos citar:

· Impugnação específica: apontar a ausência de individualização da causa de pedir, contestando a padronização indevida dos pedidos e fatos.

· Preliminares: arguição de inépcia da inicial (art. 330, I, CPC) quando ausente causa de pedir individualizada ou documentos mínimos.

· Litispendência e conexão: demonstrar a duplicidade ou multiplicidade de ações idênticas.

· Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR): solicitar instauração para unificar entendimento e evitar decisões conflitantes.

· Denúncia de má-fé processual: pleitear aplicação de multa por litigância de má-fé (arts. 79 a 81 do CPC).

· Exibição de documentos pelo autor: requerer comprovação mínima de legitimidade e interesse de agir (ex. contrato, prova de relação de consumo).

· Produção antecipada de prova: quando a demanda se mostra genérica, mostra-se pertinente inverter a lógica e exigir demonstração mínima antes de prolongar o processo.

· Solicitação de expedição de ofícios à órgãos e concessionárias para apuração de veracidade documental.

· Atuação junto ao CNJ e corregedorias: comunicação de escritórios ou advogados que ajuízam milhares de ações padronizadas com indícios de captação irregular de clientes.

· Atuação junto à Ordem dos Advogados do Brasil: identificar, ao órgão de classe, os profissionais que estão exacerbando da prática processual de forma abusiva e desarrazoada.

Portanto, é essencial adoção de estratégias e reunião de provas para o combate dessa prática, além de que, cada caso seja examinado de maneira criteriosa, priorizando a boa-fé, a técnica jurídica e o alinhamento com os princípios éticos que regem a advocacia.

A decisão do STJ sobre litigância predatória está alinhada ao que outros tribunais do país têm reconhecido: é preciso coibir o uso indevido da Justiça com o ajuizamento em massa de ações padronizadas, sem documentação básica ou interesse real do autor. Veja alguns exemplos recentes:

Litigância predatória
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO Nº 5117154-94.2024.8.24.0930SC
Registro 2025.0000178708
Registro 2025.0001198117

STJ decide: a divulgação de dados sensíveis, sem o conhecimento e anuência, pode gerar dano moral presumível

Artigo elaborado por Magno Souza

No tempo das eras digitais, os documentos físicos e formulários que antes eram preenchidos manualmente se transformaram em códigos e dados criptografados, onde a assinatura foi substituída por um check na expressão “concordo com os termos de uso“.


No entanto, diferente do que muitos consumidores sabem e esperam, por trás desta anuência está uma prática cada vez mais corriqueira nas empresas, popularmente conhecida como vazamento de dados.

Este fenômeno se conceitua no repasse de dados sensíveis do usuário, por exemplo, numeração do CPF, telefone, e-mail, profissão, dentre outros, a fim de que terceiros consigam mapear seu perfil de consumo e a partir de então, adotar estratégias de venda de produtos e serviços.

Assim, em recente julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Recurso Especial nº: 2201694 – SP (2025/0081134-2), restou reconhecido que a divulgação destas informações é capaz de gerar dano moral.

Isto porque, o tratamento de dados sensíveis não se limita a um mero preenchimento de código, mas em verdade revela informações essenciais da individualidade do consumidor, o colocando em situação de vulnerabilidade.

Especialmente pelo fato de que esta criptografia se entrelaça com os direitos de personalidade do indivíduo, os quais possuem amparo e proteção pela Constituição Federal.

Quando adentramos em matéria infraconstitucional, o julgado pontuou o resguardo do artigo 21, do Código Civil:

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Este dispositivo é de suma importância para compreendermos que a inviolabilidade da vida privada não se está restrita aos atos praticados de forma corpórea, mas também o que caminha pelas vias virtuais.

Tanto é fato, que a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18) apresenta um rol taxativo do que é considerado como dados sensíveis, em seu artigo 5º, bem como as diretrizes de tratamento no artigo 7º.

Convém expor a fundamentação do voto do Excelentíssimo Ministro Humberto Martins:

Discute-se nos autos se os produtos oferecidos pela recorrida (empresa gestora do SCPC) por meio do tratamento de informações cadastrais para finalidade de proteção do crédito configuram violação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e do Código de Defesa do Consumidor e se a ausência de consentimento prévio e comunicação ao consumidor para o uso de seus dados caracteriza ato ilícito, ensejando o direito à indenização por danos morais in re ipsa.

Considerando este entendimento, é evidente que a gestão e tratamento de dados deve obedecer aos crivos legais, especialmente o artigo supramencionado, tendo por consequência da desobediência margem para o dano moral in re ipsa.

Válido mencionar que a presunção de dano não gera o dever automático de indenizar, porém observar que um dos tribunais superiores já manifestou entendimento neste sentido é fundamental para que as empresas adotem uma atuação mais cautelosa, a fim de resguardar seus consumidores e mitigar futuros prejuízos.

Em suma, o entendimento exposto pelo STJ apresenta mais uma forma de proteção e segurança jurídica aos dados sensíveis e reforço a LGPD, sendo por demais pertinente no tempo das eras digitais.

Fonte: REsp 2.201.694 – Autos de origem: 1013222-18.2024.8.26.0506 (TJSP)

Integra disponível em: STJ