Geração Distribuída – Maioridade aos 10 anos

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Por David Waltenberg e Elen Caroline Moretto

Às vésperas de completar 10 anos de sua introdução no ambiente regulatório do setor elétrico brasileiro, a micro e minigeração distribuída – comumente referida pela sigla GD, de geração distribuída – foi brindada com novo tratamento, alçado ao nível de lei ordinária, mediante a instituição pela recente Lei nº 14.300, de 06.01.2022, do Marco Legal que atualizada e consolida as normas aplicáveis a essa modalidade de arranjo de geração e consumo de energia elétrica.

Instituída em abril de 2012 pela ANEEL, por meio da Resolução Normativa nº 482/2012, a GD prevê a possibilidade de um consumidor de energia elétrica instalar unidade geradora para produzir sua própria energia, a partir de fontes sustentáveis ou de geração qualificada, para consumo no mesmo local da geração ou remotamente. Para tanto, pode o interessado se valer do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, através do qual a energia gerada excedente à sua necessidade momentânea é injetada na rede de distribuição local, transformando-se em crédito, para ser posteriormente compensado com o consumo na mesma unidade consumidora ou em outra, também de sua titularidade, atendida pela mesma distribuidora.

Essa modalidade de arranjo de geração/consumo surgiu amparada por expressivos estímulos, para que pudesse se desenvolver, como costumam fazer políticas públicas com relação a fases embrionárias de iniciativas desse tipo – a exemplo do que uma década antes o PROINFA fizera em benefício de diversas fontes renováveis de energia.

Respondendo a esses estímulos, o que se viu foi um crescimento exponencial da GD ao longo do tempo, ganhando rapidamente relevância no desenvolvimento da energia sustentável no Brasil, atingindo ao final de 2021 a marca de 8 GW de potência instalada e expectativa de que esse número dobre em 2022.

Apesar disso, a trajetória da GD no mercado elétrico foi marcada pela insegurança, seja pelas alterações normativas promovidas pela ANEEL e por outras que se prenunciavam, seja pela oposição das distribuidoras, que alegavam ser prejudicas por aqueles estímulos, dados, ao ver delas, às suas custas.

Nos últimos anos a polêmica sobre o assunto extrapolou o âmbito setorial e mesmo a esfera de competência da Aneel, passando a envolver também o Tribunal de Contas da União, o Congresso Nacional e até alta autoridade federal, que chegou a declarar ser contra “taxar o sol”.

Finalmente, a solução encontrada para a controvérsia veio pela via legislativa, com a instituição do Marco Regulatório da Geração Distribuída, por meio da Lei nº 14.300/2022, atendendo pleitos das distribuidoras e dos adeptos da GD.

Com efeito, a recente Lei previu mecanismos de proteção às distribuidoras face aos efeitos da utilização por seus consumidores da GD, mediante a consideração como “exposição contratual involuntária” de sua sobrecontratação de energia correspondente à redução de consumo dos consumidores optantes pelo citado regime, o que permite às distribuidoras reduzirem os volumes de energia comprada, diminuindo assim seus custos, mediante o repasse desse ônus aos seus supridores, que não contam com igual proteção. Ademais, a Lei previu que a CDE custeie as componentes tarifárias não vinculadas ao custo da energia, não pagas pelos aludidos consumidores optantes. Ora, a CDE é um fundo financeiro setorial constituído por encargo cobrado dos consumidores de energia elétrica. Portanto, essa solução legislativa acabou criando um “subsídio cruzado”, pelo qual outros consumidores proverão os recursos destinados à compensação das distribuidoras pelos seus custos não cobertos pelos consumidores optantes pela GD.

Já com relação aos adeptos da GD, a nova Lei, além de ter trazido maior segurança jurídica, mediante a instituição e consolidação de normas estáveis e claras, preservou os direitos e interesses dos consumidores/geradores já existentes e dos que vierem a optar pelo sistema a curto e médio prazos, por meio da definição de regras de transição por períodos consideráveis, sem a aplicação das inovações mais relevantes, como, por exemplo,o novo regime tarifário, até então inexistente.

Assim é que, com relação às instalações de GD existentes quando da publicação da Lei, bem como quanto às que forem objeto de solicitações de acesso protocoladas nas distribuidoras até 12 meses depois da publicação da Lei, ou seja, até 07.01.2023, as novas regras tarifárias não se aplicarão por mais de duas décadas, até 31 de dezembro de 2045.

Já quanto às novas instalações de GD que forem objeto de solicitações de acesso protocoladas nas distribuidoras no período entre o 13º e o 18º mês depois da publicação da Lei, ou seja, de janeiro a junho de 2023, as novas regras tarifárias só se aplicarão a partir de 2031.

Finalmente, quanto às demais novas instalações, cujas solicitações de acesso às distribuidoras sejam protocoladas de julho de 2023 em diante, a Lei previu a aplicação gradativa das novas regras tarifárias, começando por 15% em 2023, a ser acrescido de 15% a cada ano seguinte, de modo que somente a partir de 2029 se dará sua cobrança integral.

Ademais, a Lei também previu que as novas regras tarifárias, cuja aplicação, como visto, foi procrastinada ao longo do tempo, a par de proverem a compensação dos custos das distribuidoras com a remuneração dos seus ativos dedicados ao serviço, com a quota de reintegração regulatória (depreciação) desses mesmos ativos e com sua operação e manutenção, deverão, em contrapartida, valorar e considerar os custos e benefícios proporcionados ao sistema elétrico pela GD, conforme diretrizes a serem estabelecidas pelo Conselho Nacional de Energia Elétrica – CNPE, em até 6 meses, e respectivos cálculos da valoração desses benefícios a serem estabelecidos pela ANEEL, em até 18 meses, contados esses dois prazos da publicação da Lei.

O detalhamento dessas regras, assim como de outras inovações trazidas pela Lei nº 14.300/2022 – como a distinção da minigeração distribuída entre despachável e não despachável, com diferentes limites de potência instalada, a previsão da constituição de garantia de fiel cumprimento para a implantação de instalações de GD e a criação de um programa de utilização de energias renováveis por consumidores residenciais de baixa renda (PERS) –,  ainda depende de regulação da ANEEL, porém, a edição desse novo Marco Regulatório prenuncia a perspectiva de consolidação em definitivo da micro e minigeração distribuída no cenário energético nacional, com potencial de atrair vultosos investimento para esse segmento a curto e médio prazos.