Edição nº 03
Divergência entre TCU e STF sobre a unicidade da interrupção prescricional
No âmbito do direito administrativo brasileiro, a prescrição representa mecanismo essencial para garantir a segurança jurídica, limitando o tempo para o exercício de ações punitivas ou ressarcitórias pelo Estado.

A tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – conhecida como “Princípio da unicidade da interrupção prescricional” – tem gerado debates intensos no Tribunal de Contas da União (TCU). Essa tese, aplicada em julgados como o MS 37.941 da 2ª Turma do STF, postula que o prazo prescricional de cinco anos (conforme a Lei nº 9.873/1999) pode ser interrompido apenas uma vez, geralmente pela citação inicial do responsável. Tal posicionamento não é observado pela jurisprudência consolidada do TCU que admite interrupções múltiplas por atos sucessivos de investigação, e tem sido discutido em acórdãos recentes1, chegando a ser sugerida a aplicação da dualidade da interrupção prescricional, como uma espécie de posição intermediária (TC 013.271/2017-2).
A discussão ganhou relevo no dia 16 de julho, notadamente no Acórdão 1561/2025 do Plenário do TCU, sob relatoria do Ministro Jorge Oliveira. Nesse julgamento de embargos de declaração em uma tomada de contas especial, o TCU rejeitou explicitamente a aplicação da tese da unicidade, invocando a Resolução TCU nº 344/2022, que permite interrupções sucessivas por notificações, decisões condenatórias ou apurações inequívocas. Essa resistência é fundamentada na necessidade de preservar a eficácia da fiscalização pública, evitando que irregularidades antigas escapem à accountability devido a prazos curtos. Por outro lado, o STF, em decisões como o MS 39.894 da 1ª Turma (maio de 2025), prioriza a unicidade para promover os princípios constitucionais da segurança jurídica, da estabilidade das relações administrativas e da previsibilidade da atuação estatal.
Em síntese, a relutância do TCU em adotar a tese da unicidade da interrupção prescricional reflete um equilíbrio delicado entre segurança jurídica e efetividade do controle público. Essa controvérsia não apenas prolonga incertezas em Tomadas de Contas atuais, mas também sinaliza a necessidade de uma uniformização jurisprudencial pelo STF.
Ferrovias
ANTT evolui no debate sobre a revisão do Marco Regulatório de Ferrovias
A ANTT deu início à Reunião Participativa 9/2025, que teve sessão realizada em 24.07.2025 para discutir a minuta de Regulamento das Condições Gerais de Transporte Ferroviário. Essa minuta deve corresponder à denominada Norma 1A, que será o primeiro de seis regulamentos previstos para consolidar o tratamento normativo do setor ferroviário. A minuta apresenta regras gerais de outorgas ferroviárias, incluindo (i) regras comuns aos regimes de concessão e autorização, (ii) definições sobre conteúdo, forma de aplicação e regime de alteração dos contratos de concessão, (iii) regramento das autorizações desde o requerimento inicial até o chamamento público a ser desenvolvido e o regime da autorização propriamente dita, (iv) disciplina sobre compartilhamento da infraestrutura ferroviária, via tráfego mútuo e direito de passagem, bem como sobre os contratos operacionais específicos que disciplinarão o compartilhamento, (v) regime de atuação do agente transportador ferroviário e (vi) regras sobre autorregulação.

As contribuições serão admitidas até 10.08.2025.
Rodovias
Novos editais de concessão
A ANTT publicou os editais de concessão dos lotes 4 e 5 do Sistema Rodoviário das Rodovias Integradas do Paraná (PRVias) e da Rota Sertaneja (BR-153/262/GO/MG). As minutas de contatos correspondentes vêm alinhadas com as mais recentes atualizações regulatórias promovidas pela Agência, incluindo a previsão de implantação de free flow e de mecanismos de desconto tarifário para usuários frequentes e que utilizam tags de pagamento. Os prazos para pedidos de esclarecimentos e impugnações já estão abertos e os leilões estão previstos para os dias 23 e 30 de outubro e 6 de novembro de 2025, respectivamente.
O primeiro reequilíbrio parcial por evidência aplicado pela ANTT
A Deliberação 206, de 18 de junho de 2025, marca a primeira oportunidade em que a Diretoria da ANTT aplicou a sistemática de reequilíbrio parcial por evidência, disciplinada no ano passado pela Agência por meio da Instrução Normativa nº 33, de 14 de novembro de 2024. Veja mais
A decisão acolheu pedido da Concessionária CCR RioSP para reequilíbrio parcial por evidência, justificado pela execução de obras emergenciais na BR-101/RJ/SP. Conforme o relato apresentado, tais obras foram necessárias para recomposição de terrenos afetados por instabilidade geológica atribuída a eventos climáticos extremos no período de março a abril de 2022.

Conforme previsto na Instrução Normativa 33/2024, o “reequilíbrio parcial baseado em evidência” tem cabimento quando “o direito ao reequilíbrio é incontroverso ou está em condições de reconhecimento imediato” (art. 4º, inc. VII). A medida tem lugar em situações nas quais é possível estabelecer de forma imediata um valor mínimo certo do reequilíbrio futuro, mas a complexidade da liquidação do valor a ser reequilibrado demanda aprofundamento da instrução. Desse modo, a recomposição contratual é escalonada em etapas, pois o reequilíbrio de evidência será implementado de modo parcial (sobre um montante mínimo tido como incontroverso ou cuja probabilidade foi atestada de forma suficiente), sob a condição de ser liquidado em definitivo ao final do processo principal de reequilíbrio (art. 24, § 1º).
Aplicando esse regramento ao caso concreto, a Diretoria da ANTT reconheceu a imprevisibilidade dos eventos e a alocação do risco correspondente ao poder concedente. Com base nessa premissa e na documentação das obras executadas, admitiu-se a viabilidade de realização do reequilíbrio por evidência, considerando “razoável a adoção do percentual de 60% sobre o valor estimado pela concessionária”. A operacionalização do reequilíbrio se dará a partir da liberação, em favor da concessionária, de recursos vinculados já disponíveis para a concessão.
Portos e navegação
Decreto da BR do Mar
- Decreto do Governo Federal Regulamenta a Cabotagem no Brasil – Programa BR do Mar
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, em 16.07.2025, o Decreto nº 12.555/2025, regulamentando o Programa BR do Mar (Lei nº 14.301/2022), que incentiva o transporte de cargas por cabotagem entre portos brasileiros. O decreto contou com a influência da Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação do Ministério de Portos e Aeroportos, visando reduzir custos logísticos e impactos ambientais, bem como fortalecer a infraestrutura marítima nacional.

Dentre os pontos principais, cabe destacar a flexibilização do afretamento de embarcações estrangeiras, permitindo modalidades como “a casco nu” (sem tripulação) e “a tempo” (com tripulação), com exigências de sustentabilidade, como o uso de embarcações menos poluentes.
Nesse sentido, cabe destacar que um aumento de 60% na cabotagem de contêineres pode cortar 530 mil toneladas de CO2 por ano em relação ao transporte rodoviário – ainda o principal modal no setor de infraestrutura brasileiro.
O programa prevê mais rotas, ampliação da frota, geração de empregos e estímulo à indústria naval, com foco em manutenção em estaleiros brasileiros. Atualmente, a cabotagem representa 11% da carga transportada por navios, com meta de crescimento de 15% em 10 anos, segundo projeção do Plano Nacional de Logística (PNL). E mais, estima-se uma redução de custo em até 15% nos fretes, gerando economia anual de R$ 19 bilhões nos custos logísticos, considerando que o valor médio do frete por cabotagem é 60% menor que o transporte rodoviário e 40% menor que o ferroviário.
Definitivamente a regulamentação do BR do Mar transforma os 8 mil quilômetros de litoral brasileiro em um corredor logístico estratégico, impulsionando a competitividade de setores como agricultura e indústria, consolidando a cabotagem como pilar de uma logística de infraestrutura mais eficiente e ambientalmente responsável.
Soluções urbanas
Diretrizes para concessões e PPPs de serviços de cidades inteligentes
O Ministério das Cidades e a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil apresentaram em junho a Nota Técnica Conjunta nº 001/2025/SEPPI/CC/PR/SNDUM/MCID, que tem por objeto apresentar “diretrizes aos agentes estruturadores federais e subnacionais na modelagem de projetos de concessão ou parcerias público-privadas para implementação de soluções de cidades inteligente”. Veja mais

Retomando a Carta Brasileira para Cidades Inteligentes, entre outros referenciais, a Nota Técnica propõe uma consolidação de boas práticas e subsídios para a identificação de serviços digitais, sua priorização e sua implementação em nível urbano, observando os vários níveis de relevância da adoção de tecnologias da informação e comunicação (TIC). Nos termos da Nota Técnica, tais soluções possibilitam “aprimorar a governança urbana, qualificar a oferta de serviços públicos e promover o desenvolvimento sustentável”, “para tornar as cidades mais inclusivas e eficientes”.
O documento elenca onze diretrizes como eixos orientadores da modelagem de projetos de PPP em âmbito urbano:
- 1ª Diretriz – Planejamento e Integração com Estratégias Municipais de Transformação Digital Urbana: ênfase na necessidade de planejamento local adequado, com diagnóstico, metas, prioridades e plano de implementação conectado com os instrumentos de planejamento urbano e municipal vigentes.
- 2ª Diretriz – Prioridade para Aplicação do Excedente da Contribuição prevista no art. 149-A da Constituição Federal para Serviços Digitais: recomendação de uso prioritário dos recursos excedentes da COSIP para implantar sistemas de monitoramento de segurança e preservação de vias públicas, com recomendação de uso dos recursos excedentes para sensores ambientais, de mobilidade, telegestão de iluminação pública, equipamentos de resposta a desastres naturais e outras soluções comportadas pela Política Nacional de Transformação Digital para Cidades Inteligentes.
- 3ª Diretriz – Modularização e Implantação em Fases: a autonomização dos projetos em módulos é incentivada como forma de racionar o planejamento e facilitar o financiamento e a adequado dos projetos a cada realidade, conforme as capacidades institucionais disponíveis.
- 4ª Diretriz – Indicadores Tecnológicos Vinculados à Remuneração: propõe-se que os projetos sejam desenvolvidos de modo a atrelar a remuneração a indicadores de desempenho, com automatização das mensurações.
- 5ª Diretriz – Governança de Dados e Conformidade com a LGPD: necessidade de tratamento adequado dos dados urbanos gerados, bem como de suas formas de uso, armazenamento, compartilhamento e proteção, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados e as boas práticas internacionais em segurança cibernética, com recomendação de instituição de Comitê de Governança de Dados com representatividade técnica e social para supervisionar as práticas a serem estabelecidas.
- 6ª Diretriz – Atualização Tecnológica e Prevenção da Obsolescência: o contrato e a sua matriz de riscos devem endereçar o risco tecnológico e as obrigações atinentes à permanente atualidade em face da previsível obsolescência das soluções de software e hardware adotadas.
- 7ª Diretriz – Neutralidade Tecnológica nas Licitações: a competição deve ser incentivada em termos amplos, inclusive de modo a admitir que os licitantes possam precificar e propor soluções técnicas alternativas e inovadoras.
- 8ª Diretriz – Modelos Híbridos de Receita: propõe-se que as modelagens busquem identificar fontes de receita complementares à contraprestação pública (serviços a terceiros, exploração publicitária, entre outros), como medida de maior segurança para a sustentabilidade econômica da concessão e de desoneração fiscal.
- 9ª Diretriz – Capacitação Técnica e Inclusão Digital: a capacitação técnica da equipe municipal e o letramento digital da população usuária são qualificadas como tarefas-chave para o êxito dos projetos.
- 10ª Diretriz – Salvaguardas Socioambientais e Resiliência Climática: necessidade de os projetos serem executados conforme plano de gestão socioambiental, com tratamento adequado das obrigações atinentes a passivos ambientais e sociais que possam decorrer do desenvolvimento do projeto.
- 11ª Diretriz – Monitoramento Independente e Participação Social: estruturas permanentes de monitoramento e avaliação independente são consideradas indispensáveis e devem propiciar a transparência sobre os resultados do projeto e a possibilidade de controle social.
A observância dessas diretrizes deverá pautar o apoio do Governo Federal aos diversos empreendimentos locais que serão desenvolvidos nos próximos anos.
Saneamento básico
Consultas Públicas sobre cofaturamento para cobrança por serviços de saneamento básico
A ARSESP – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo divulgou em julho a Consulta Pública 05/2025, aberta até o dia 1º.08, para colher contribuições sobre a minuta de deliberação que “homologa e disciplina o cofaturamento da cobrança pelos serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos no documento de arrecadação dos serviços de abastecimento de água e/ou esgotamento sanitário regulados pela ARSESP”. Em 22.06.2025, a ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico abriu a Consulta Pública 06/2025, para discutir minuta para regulamentar o cofaturamento na prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, de modo a possibilitar a cobrança de outros serviços públicos de saneamento básico. O período de contribuição à ANA vai até as 18 horas de 23.08.2025.

Consulta pública da ARSESP sobre soluções alternativas de abastecimento e esgotamento sanitário
A ARSESP – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo divulgou também em julho a Consulta Pública 06/2025, que tem por objeto disciplinar “a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário por meio de soluções alternativas”. A minuta de regulamentação do tema fica aberta a contribuições até o dia 03.08.2025.
Licitações e Compras Públicas
Decreto 12.516/25: exigência sobre mão de obra
Foi publicado o Decreto 12.516/25, que altera o Decreto 11.430/23, para regulamentar a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica. Entre as novas regras, o Decreto prevê que os editais de licitação e os avisos de contratação direta para a contratação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra deverão prever o emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, em percentual igual ou superior a 8% (oito por cento) das vagas e que poderá haver previsão de reserva de vagas em contratos com quantitativo inferior a vinte e cinco colaboradores – sendo admitida, nesses casos, a previsão de percentual inferior a 8% (oito por cento).

Improbidade administrativa
Publicada Portaria sobre acordos não persecução cível em matéria de improbidade administrativa
Foi publicada em 28 de julho a Portaria Normativa AGU 186/2025, que regulamenta a celebração de acordo de não persecução civil – ANPC pela Procuradoria-Geral da União ou pela Procuradoria-Geral Federal. A normativa estabelece o âmbito de aplicação (matéria de improbidade), regras procedimentais, cláusulas obrigatórias e cláusulas facultativas, assim como fatores de dosimetria das sanções cabíveis, como elementos a serem considerados no contexto negocial. Também são disciplinados os efeitos em caso de descumprimento do acordo.
